terça-feira, 14 de abril de 2009

É repetitivo – eu sei – mas tá faltando amor, fazer o quê??


Ontem a noite, quando voltava pedalando calmamente para casa, depois de mais uma aula no seminário, pude presenciar uma cena que retrata bem a escravidão e a condição subumana a que algumas pessoas aceitam se submeter. Digo “aceitam”, nem pelo fato de terem diretamente escolhido tais situações, e sim por muitas delas escolherem permanecer nelas.

Ali, numa encruzilhada, estavam duas jovens senhoras – uma toda de branco, a outra com roupa “normal” – prostradas, literalmente engatinhando como cachorras, para derramar cachaça ao chão, enquanto acendiam velas com pressa e reproduziam palavras repetitivas à padilha (Maria Padilha – entidade do Candomblé e da Umbanda, também famosa como Pomba Gira) como numa reza ao escuro.

Numa condição totalmente degradante, humilhante e suja, uma delas inclusive me olhou incisivamente, não com autoridade ou raiva, mas com vergonha e desconfiança. Só tive tempo de reverter meu pensamento a ela e, entre uma pedalada leve e outra, depois de também tê-la fitado os olhos, sentir um total pesar pelas milhares de pessoas que estão escravizadas por escolhas, um dia mal feitas. São seres que existem, mas não vivem e que preferem ser chamados de “minha burra” e de “cavalos”, do que de filhinhos amados e amigos.

A tristeza maior é saber que cada gota de sangue derramada por Cristo na cruz, foi no intuito de agraciá-las tanto quanto a mim. Ou seja, sou tão imerecedor desse amor incondicional quanto elas; sou tão carente dele e tão necessitado de Graça quanto elas. E a tristeza não é pelo egoísmo de não querer ser tão igual assim, mas pela circunstância de me incomodar tanto o fato de não ter podido ali, naquele momento, manifestar esse amor a elas. O registro aqui é uma mea culpa cristã sem vergonha, apenas para que fique manifesto que pessoas estão morrendo ao nosso lado, porque não conhecem a verdade que liberta; enquanto nós sabemos que apenas se o Filho libertar haverá liberdade (Jo 8,36), mas não fazemos nada com esse conhecimento.

Todavia, com a desculpa esfarrapada de que estava de bicicleta, tentei pelo menos orar por elas, pedindo ao Pai que a multifacetada Graça dEle pudesse alcançá-las e que verdadeiramente pudessem se sentir como filhas de verdade (Jo 1,12).

Se o mundo tem andado em trevas, talvez seja porque aqueles que o deveriam iluminar estejam um pouco apagados (Mt 5,14), ou ainda preocupados em iluminar debaixo do alqueire; querendo ser luz onde não precisa.

Acredito verdadeiramente que as soluções são viáveis, porém não agradáveis aos que preferem não ter suas medíocres vidinhas de posições clericais, alteradas por uma agenda com menos reuniões idiotas que nada decidem e mais ações práticas de amor ao próximo. O que falta, além da incompetência de alguns e da total falta de vergonha na cara de outros, é amar ao próximo como a si próprio.

Se um dia, aqueles que se dizem igreja e não o são, se recuperarem de sua amnésia, e se lembrarem de onde caíram (Ap 2,5), e deixarem de ser mornos (Ap 3,16); talvez aí tenhamos menos crentes (que estão abafando) no mundo e mais gente normal, que ainda se entristeça ao ver a iminente extinção de sua própria espécie, cada vez mais gritante todos os dias.

Só vitória nesse Cristo, que nunca nos chama de escravos, e sim de amigos (Jo 15,15)!

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